NOTÍCIA E INFORMAÇÃO
A LUTA DAS MULHERES PELA PARTICIPAÇÃO E REPRESENTAÇÃO POLÍTICA
Solange Bentes Jurema
Falarei sobre cidadania e exclusão das mulheres, como presidente do Conselho Nacional de Direitos da Mulher, do ministério da Justiça.
Sempre se trata de mulheres como minorias, apesar de sermos mais de 50% da população, sermos 49,8% dos eleitores e sermos quarenta ou mais por cento da população economicamente ativa. E, no tema mulheres, é claro que nós estamos contando mulheres brancas, negras, idosas, adolescentes, crianças, portadoras de deficiências. Somos todas mulheres. Só não acho que somos minoria. Acho que somos maioria.
Concordo que ainda somos excluídas das esferas de poder e de decisão. Isso culturalmente vem desde os primórdios da civilização. E mesmo nas civilizações consideradas mais civilizadas, como a de Roma, a da Grécia, onde nasceu a democracia, as mulheres estavam excluídas dessa democracia.
Elas não participavam das assembleias e não eram consideradas cidadãs. Somente os homens tinham a possibilidade de votar e ser considerados cidadãos. Em Roma, berço da civilização ocidental, nós, mulheres, estávamos incluídas no patrimônio dos romanos, quer dizer, éramos consideradas como móveis, terras, escravos, cavalos.
Podemos entender por que até hoje existe essa dificuldade de se conceder a plena cidadania às mulheres. Toda nossa cultura está embasada nesses povos que assim tratavam as mulheres. Na Idade Média, aquelas que ousaram se rebelar contra sua situação de exclusão, colocadas à parte da educação, da comunicação, sempre trancadas em casa, foram queimadas nas fogueiras. E quando se vai estudar a Inquisição, observa-se que, para cada dez pessoas que eram mortas nas fogueiras, nove eram mulheres. Como custava caro às mulheres quando elas ousavam se rebelar contra sua situação!
Chegamos à Revolução Industrial, no fim do século, e as mulheres começaram a ir ao mercado de trabalho. Como a Revolução Industrial começou pela indústria têxtil, e quem mais fazia o trabalho de tecer eram as mulheres, estas foram usadas nas fábricas e exploradas, até crianças. Foi aí que as mulheres começaram a se encontrar, a se comunicar, a sair um pouco daquele espaço privado em que elas eram mantidas à parte de todas as decisões.
E aí começaram os primeiros movimentos, ainda não articulados, mas os primeiros encontros de mulheres que discutiam essa questão do poder e até da exclusão que sofriam. Elas começaram a trocar ideias e a questionar que mundo era esse em que elas não tinham espaço.
Elas foram as precursoras do movimento feminista. É interessante ver que dentro desse contexto de cultura, formado através de toda essa história até o século XX, como as mulheres viviam dentro das suas casas sem terem acesso à educação, à comunicação, os conceitos da humanidade foram concebidos somente pelo olhar masculino. A cultura foi formada.
Os conceitos religiosos, biológicos, filosóficos, históricos, enfim, todos os conceitos tinham somente o olhar masculino. As mulheres não tinham acesso à educação nem à cultura. Portanto, elas não podiam dar sua contribuição. E esses conceitos embasavam toda essa postura patriarcal que exclui as mulheres.
Quando chegamos ao século XX, finalmente as mulheres começaram a se articular. Foi inventado o rádio. As mulheres invadiram o espaço público com o trabalho e começaram a questionar. Nós estamos falando de exclusão na área de cidadania e de poder de decisão.
A primeira briga das mulheres foi pelo direito de votar. As mulheres não eram consideradas cidadãs, então, não podiam votar. Sempre o argumento era o de que a mulher não pensa, não sabe decidir. Houve um momento até em que se questionou se nós tínhamos alma no decorrer dessa cultura. Achar que não tínhamos cabeça nem capacidade de votar era apenas mais um conceito formulado sob a ótica somente masculina.
A primeira grande luta das mulheres, que começou no fim do século passado e continuou no início do século XX, foi pelo voto. Mas nós só fomos conseguir o direito ao voto em 1932. Em 1928, o governador do Rio Grande do Norte incluiu na sua legislação eleitoral o voto das mulheres, mas o Senado Federal anulou todos eles.
Somente em 1932 é que foi dado às mulheres o direito de votar. E aí foi eleita também a primeira deputada mulher pelo Rio de Janeiro, Carlota. Nós temos também que fazer menção a uma grande mulher nessa questão do direito ao voto: Berta Lutz, a grande lutadora pelo direito de a mulher votar. Apesar de as mulheres terem conseguido o voto, elas só previram o direito de votar e o de terem educação.
Elas não previram nem questionaram a questão de a mulher continuar somente em casa cuidando da família, porque naquele momento se achava absolutamente inquestionável o posicionamento da mulher. E a partir daí as mulheres, aos poucos, foram invadindo o espaço do trabalho, mas ainda muito pouco.
Deputadas, nós tivemos muito poucas da década de 30 e 60. Somente na década de 60 é que começou, em âmbito mundial, um grande questionamento das mulheres, que foi o chamado movimento feminista, pela questão do poder e da sua sexualidade.
As mulheres começaram a questionar todas as questões ligadas ao poder e também o direito que elas tinham de decidir sobre seu próprio corpo. O nosso corpo era tratado como alguma coisa que tinha que ser decidido no âmbito de governo ou de necessidade daquele povo.
Não se controlava natalidade. Nunca passava pela cabeça dos tomadores de decisões e dos estudiosos o direito de a mulher decidir sobre seu próprio corpo. Considerava-se somente a necessidade, digamos assim, momentânea daquele outro povo. As mulheres começaram a questionar. Esse movimento foi crescendo, como todos nós sabemos.
A própria ONU, na década de 70, achou que deveria fazer o primeiro encontro internacional para tratar sobre a questão da mulher, declarar 1975 como o Ano Internacional da Mulher. Foi em 1975, no México, o primeiro encontro internacional patrocinado pela ONU. E as mulheres de idades, de raças e profissões diferentes puderam, pela primeira vez, encontrar-se e discutir o que nós, mulheres, queremos. E isso foi muito importante.
No Brasil, até 1962, as mulheres casadas eram consideradas relativamente incapazes, mais uma vez sob a mesma ótica de que elas não tinham capacidade de decidir sobre negócios. Para elas conseguirem fazer qualquer coisa tinham que pedir autorização ao marido e este também podia pedir a rescisão do contrato da mulher quando achasse que não era do interesse da família a mulher continuar trabalhando.
A década de 70 foi muito importante. Naquela época atravessávamos toda aquela movimentação política contra a ditadura. E as mulheres se engajaram nessa luta política. Foi esse engajamento na luta política que deu outra correlação de forças e outra correlação política para as mulheres, o que fez com que na década de 80 tivéssemos avanços efetivos, como em 1985, quando foi criado o Conselho Nacional de Direitos da Mulher.
Chegou-se à conclusão de que era necessário, não só no Brasil, mas nos outros países, criar um mecanismo institucional que pudesse ser o aglutinador dos movimentos das mulheres, das forças das mulheres, dos diversos movimentos e que fizesse essa interlocução entre os movimentos e o governo, dizendo que tipo de políticas públicas as mulheres queriam para que realmente começássemos a construir a igualdade.
É bom frisarmos que a primeira luta das mulheres foi pelo direito ao voto, a segunda foi pela participação política. Foi na década de 80 que conseguimos lutar pela participação das mulheres nas esferas de decisão. Aliás, foi muito importante criar um conselho para ser esse interlocutor. Então, um grande número de mulheres fora eleitas deputadas.
Quanto à Constituição de 1988, houve uma grande mobilização das mulheres para que, pela primeira vez, pudéssemos realmente influenciar na criação de uma lei.
Podemos verificar como o Código Civil Brasileiro e o Código Penal Brasileiro fora concebido somente sob a ótica masculina. E, quando me refiro a isso, nada tenho especialmente contra os homens, mas é preciso analisar por que a lei brasileira trata tão mal as mulheres.
Por exemplo: a lei considera o estupro como um crime contra os costumes e não contra a pessoa humana. Quando foi feito o Código Penal, no início do século, era muito mais sério ferir o patrimônio moral da família, digamos assim - e por isso o estupro é um crime contra os costumes -, do que a violência e o sofrimento por que passava uma mulher ao ser estuprada.
A mesma coisa ocorre com o Código Civil. Nosso Código Civil foi todo concebido sob a ótica de uma família baseada no patrimônio e não sob uma família baseada no afeto, como hoje são constituídas as famílias. A primeira legislação que considerou que as famílias deveriam ser constituídas com base no afeto foi a Constituição de 1988, porque houve a influência, importantíssima, e a mobilização das mulheres.
Aí há descompasso entre a legislação civil e penal e entre a Constituição de 1988. Esses códigos ainda não foram reformados. Precisamos continuar trabalhando para que eles sejam reformados, respeitando os avanços da Constituição de 1988, a primeira lei que considerou de fato a igualdade entre homens e mulheres, até tirando a hierarquia familiar e colocando a família não numa relação baseada na hierarquia e no patrimônio, mas numa relação baseada no afeto, sendo que todas as pessoas daquela família têm obrigação mútua de amparo.
Estou puxando todo esse fio da meada para dizer como é importante alçar as mulheres aos cargos de decisão do nosso país. Apesar de toda essa caminhada e de todos os avanços enormes que conseguimos nessas últimas três décadas -, inclusive acho que o século XX será marcado na história da humanidade como o século das mulheres, o que é incontestável -, nossa participação, por exemplo, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, ainda é ínfima.
Temos apenas trinta deputadas e seis senadoras, ao passo que temos quinhentos e tantos deputados e oitenta e poucos senadores. As mulheres participam somente com 5,6% nesta Casa.
Por que é importante questionarmos isso em todas as esferas? Se formos analisar todas as estatísticas de poder, nas assembleias estaduais as mulheres são apenas cento e três entre 1.047 parlamentares, portanto, 9,83%; nas câmaras municipais, nós somos 6.536 vereadoras entre 58.560 vereadores, portanto, apenas 11%; no Poder Executivo, nós temos somente 302 prefeitas em 5.507 prefeituras; nós só temos uma governadora nos 27 estados da Federação; nós só temos duas vice-governadoras, somente uma negra.
E sempre quando falo de mulher e que nós ainda somos excluídas nos cargos de decisão, seja privado ou público, vemos que a questão da mulher negra ainda é muito mais cruel e muito mais excludente.
Atualmente não temos nenhuma ministra, apenas uma secretaria nacional, que é da secretaria de Ação Social. No Poder Judiciário, não temos nenhuma mulher no Supremo. Temos somente duas mulheres no Superior Tribunal de Justiça e duas no Tribunal Superior do Trabalho. Temos somente uma presidenta da Ordem dos Advogados do Brasil, no Pará.
Enfim, temos poucas desembargadoras, apesar de hoje quase 40% dos juízes brasileiros serem mulheres. É bom frisar que até a década 70 as mulheres não podiam fazer concursos para juiz nem faziam parte dos Conselhos de Ordem, porque diziam que as mulheres não tinham capacidade de julgar, eram muito emotivas.
Quando puderam fazer concurso para juiz, elas mostraram que podem ser juízas competentes e muito menos afetas à corrupção - é bom que se diga. Quanto a esse conceito de que as mulheres não podiam exercer o poder porque não tinham isenção, era emocionalmente frágil. A prática está mostrando que não é verdade. O que consideram um defeito nosso, nossa emoção, nossa capacidade de ternura, nossa maneira mais humana de ver a vida - culturalmente somos criadas para cuidar de crianças, de velhos, de deficientes, o que realmente humaniza nossos sentimentos -, não pode ser visto como fragilidade nem como defeito. Pelo contrário, acho que isso tem que ser visto sob uma nova ótica de poder de que o mundo está precisando, de que nosso país está precisando muito.
Quero mostrar que nós, mulheres, apesar de sermos maioria, ainda estamos excluídas de todas as esferas de decisão. A luta das mulheres, primeiro foi pelo voto, segundo, pela participação. Agora, temos de lutar pela nossa inclusão no poder, pela possibilidade de as mulheres darem sua contribuição em todas essas esferas de poder.
Quando se fala de modernidade, cada vez mais sentimos que se trata de uma modernidade que exclui, insensível, que quer tratar desenvolvimento econômico excluindo o social, acha que é muito mais importante que o país se fortaleça economicamente do que ter seu povo atendido socialmente, ter políticas sociais.
Acho que são as mulheres, não porque são mulheres - e não todas as mulheres, é bom que se diga -, que levam para o poder esses sentimentos considerados menores: ternura, compaixão, maneira humana de olhar as pessoas. São essas mulheres que nós queremos trazer para o poder; são essas mulheres que podem contribuir para uma nova visão de poder no nosso país.
Isso não significa, absolutamente, que queremos excluir os homens do poder; pelo contrário, o que queremos é que eles também passem a olhar o mundo com esse olhar, que eles feminilizem o seu olhar de poder.
É muito importante que se diga que o feminismo, hoje, não tem mais aquela visão que quiseram implantar. Aliás, também acho que foi um trabalho da mídia no sentido de que a feminista tinha que ser mal-amada, feia, raivosa. Acho que não é isso.
Hoje, as mulheres que lutam pelos seus direitos não têm essas características. Nada temos contra os homens; pelo contrário, até os queremos como companheiros. O que nós queremos é dividir a possibilidade de construir a prosperidade.
Eu gostaria de encerrar dizendo que, hoje, o movimento de mulheres, o movimento feminista luta pela inserção das mulheres na esfera do poder e também pelo respeito ao trabalho da mulher.
Nós ainda, no trabalho, ganhamos muito menos do que os homens. Isso também é uma maneira cruel de exclusão. A violência que as mulheres ainda sofrem nos seus lares até então era vista como algo em que Estado não devia se intrometer.
Mesmo os movimentos de direitos humanos, quando começaram, não consideravam a violência sofrida pelas mulheres como uma questão dos direitos humanos. E é por isso que o movimento de mulheres tem lutado para que a violência contra a mulher seja considerada como uma questão de direitos humanos, o que é inseparável.
Não se pode falar de violência, porque é sofrida no lar, porque foi o marido que bateu, como uma questão em que o Estado nem as pessoas têm de se intrometer. Não se pode falar de trabalho em que as mulheres fazem o mesmo serviço e ainda ganham menos do que os homens. Não se pode falar de democracia enquanto as mulheres não estiverem participando nesse ínfimo espaço nas diversas esferas do poder.
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